domingo, 3 de abril de 2016

Serpente mostrando que não está morta: civis e militares comemoram, em restaurante, 52 anos do golpe

Na noite de quinta-feira, 31 de um março de 2016, cerca de 60 pessoas se reuniram na confraternização em homenagem ao que os organizadores chamam de “Movimento Cívico-Militar de 1964”. A data marca o início do período popularmente conhecido como a ditadura militar no Brasil. O evento era formado, em sua grande maioria, por militares reservistas. Entretanto, havia representantes civis de diversos segmentos da sociedade.


(foto: Arquivo pessoal)Foto: Arquivo pessoal de José Eurico de Andrade Neves Pinto

O jantar foi organizado por pessoas que apoiam a volta da nomenclatura “Avenida Castelo Branco” para a via que hoje se chama “Avenida da Legalidade e da Democracia”. Ainda sem nome, o grupo é formado, principalmente, por coronéis reformados e advogados, entre outros. A vereadora Mônica Leal, do Partido Progressista (PP), é uma das integrantes, e estava presente no jantar. Ela é a autora do projeto de lei que pede a mudança do nome da avenida. Segundo ela, o projeto que retirou a denominação de Castelo Branco foi ilegal. Entre as razões, alega que a lei deveria ter sido aprovada por dois terços da Câmara de Vereadores, conforme a Lei Orgânica do Município, e não por maioria, como ocorreu.

Realizada no restaurante Parilla Del Sur, a comemoração contabilizou três grandes mesas, repletas de convidados. Ao lado de cada prato, havia dois papéis. Um, divulgando o apoio à volta do nome Avenida Castelo Branco; o outro, mais elaborado, afirmava que “Em 31 de março de 1964, o movimento cívico-militar defendeu valores da Nação Brasileira que nasceram com a formação de seu povo. Estes mesmos valores estão sendo defendidos na atualidade, visando à liberdade, à independência e ao progresso, que é o destino do Brasil”. Os mesmos dizeres foram reafirmados no brinde, promovido por um dos organizadores do jantar.

“Estamos comemorando um fato histórico.” É assim que o coronel Luiz Caminha, 66 anos, explica o objetivo da confraternização. Formado em História, Caminha afirma que o período entre 1964 e 1985, no Brasil, não foi uma ditadura, mas sim um governo militar. “Não foram os militares que o derrubaram. João Goulart foi deposto pelo Congresso, que foi eleito pelo povo. Foi um processo democrático”, sustenta. Segundo o coronel reformado, na verdade o governo militar teria salvo o Brasil do comunismo – ideologia que a maioria presente no jantar repudia veementemente.

Termos como “golpe” e “ditadura” não são bem vistos e muito menos utilizados pelo grupo. Eles acreditam que o período governado pelos militares fez muito bem ao país e que, por isso, não deveria ser chamado por nomes pejorativos. Segundo a advogada Maria de Lourdes Lucchin, 62 anos, essa fase foi quando o Brasil mais prosperou: “Foi uma época de boa economia e também onde foram realizadas mais obras para construção de hidrelétricas, rodovias, pontes… Poucos sabem, mas quem criou o FGTS, por exemplo, foi Castelo Branco”. Perguntado sobre a repressão que ocorria na época, o coronel José Eurico de Andrade Neves Pinto, 68 anos, esclarece: “Havia, sim, a censura, mas era apenas para que os comunistas não passassem suas mensagens para o povo”.

Mesmo que eles admirem esse período do Brasil, nenhum deles pede a intervenção militar no país hoje. Porém, concordam com os protestos contra o governo e o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff pois, segundo eles, é através do governo atual que o comunismo está voltando. “O Foro de São Paulo, organizado por Lula, é quem vem tramando a volta do comunismo ao país. Já vemos isso nas escolas e nas universidades, pois o MEC doutrina os alunos ao comunismo”, diz o coronel Neves Pinto. O Foro de São Paulo é um fórum de debates em que os partidos de esquerda discutem alternativas socioeconômicas às visões neoliberais. Mas, para os coronéis Caminha e Andrade Neves Pinto, para a vereadora Mônica ou para a advogada Maria de Lourdes, é muito mais que isso. Eles teriam a intenção de transformar a América Latina em um país único e fazer dele uma grande nação comunista. “Somos contra e não aceitaremos que aconteça”, afirma Neves Pinto, com a concordância dos demais.

O texto é de Laís Albuquerque, site Beta Redação

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Novamente, Argentina: o anjo loiro da morte é encarcerado para sempre


A Argentina teve uma ditadura civil-militar sangrenta, de 1976 a 1983. Foram quase 30 mil pessoas assassinadas. Diferentemente do Brasil, não se curvou a leis que, em leitura deturpada, resultariam na falta de punição de torturadores e assassinos do Estado. O povo argentino empurrou, foi além, e os torturadores vão caindo de sua soberba em julgamentos que eles tiveram a dignidade de conceder a seus opositores.

Em 27 de novembro de 2011, em Buenos Aires, um antigo oficial da Marinha, Alfredo Astiz, foi condenado a prisão perpétua por crimes contra a humanidade cometidos durante a ditadura. Ele era um símbolo. Arrogante, frio, torturava por prazer e ensinava a torturar. Gostava de ver mulheres sendo espancadas e estupradas. Dizia-se deus. Era conhecido como o “Anjo Loiro da Morte” e foi considerado culpado de tortura, assassínio e sequestros. Ele infiltrou-se, por exemplo, no grupo Mães da Praça de Maio, fingindo-se parente de uma pessoa desaparecida. Levou à morte várias das pessoas que pensavam consolá-lo pela perda.

Aos 59 anos (completou 60 em 8 de novembro), o antes menino prodígio da tortura e do sadismo é considerado um dos principais responsáveis pela tortura e assassinato de quase 5 mil pessoas na Escola Superior de Mecânica da Armada (Esma), um dos maiores centros de tortura do país vizinho, situado em plena Buenos Aires. Apenas cerca de 150 saíram vivos daquele inferno.

O processo envolvendo Astiz levou à Justiça 16 da Esma. Doze foram condenados pelo Tribunal Federal número 5 a prisão perpétua. Entre eles está Jorge Acosta, “O Tigre”, que argumentou durante o julgamento que “as violações aos direitos humanos são inevitáveis durante uma guerra”. Ele foi um dos criadores dos “voos da morte”, nos quais os prisioneiros, ainda vivos, eram jogados sobre o rio da Prata ou o mar para eliminar vestígios.

Também foram condenados a prisão perpétua os oficiais Oscar Montes, Antonio Pernías, Raúl Scheller, Ricardo Cavallo, Jorge Rádice, Alberto González, Julio César Coronel e Ernesto Weber. Este era chamado de “220” pelos militares pelo prazer que sentia em aplicar essa voltagem nas torturas. Ainda nesse grupo está Alfredo Donda Tigel, que sequestrou o próprio irmão e a cunhada, assassinou-os e ficou com as filhas deles.
Juan Carlos “Lobo” Fotea Daneri foi condenado a 25 anos de prisão. Manuel Tallada recebeu 25 anos; Carlos Capdevilla, que realizou os partos clandestinos na Esma (em geral, as crianças eram dadas para adoção a militares), foi condenado a 20 anos. Um dos mais ferozes torturadores, Juan Antonio “Piranha” Azic, recebeu pena de 18 anos.

Nenhum outro local se tornou tão emblemático da repressão militar argentina como a Esma.
Em 1998, Astiz disse, em entrevista, que era “o melhor homem da Argentina a matar jornalistas e políticos”. Depois do golpe civil-militar, tornou-se um dos membros do grupo 3.3.2, responsável por sequestros, torturas e desaparecimentos da Esma, onde entrara em 1968. “Não lamento nada”, afirmou.

A sala de audiências estava cheia e centenas de pessoas juntaram-se à porta, na rua, alguns com fotografias das vítimas dos homens que estavam a ser julgado. A leitura de cada sentença era aplaudida pela multidão. Quando chegou a vez da decisão sobre Astiz a multidão gritou: “Filho da puta!”. No fim das sentenças, as pessoas cantaram, dançaram e se abraçaram na rua.

“A justiça é a base da democracia”, comentou à AFP Geneviève Jeaningros, sobrinha de uma das duas freiras francesas sequestradas e mortas por Astiz, que foi à Argentina para assistir ao julgamento . “Todos os que deram a sua vida não o fizeram em vão”, afirmou.

Com o fim da ditadura, em 1983, houve processos por crimes contra os direitos humanos contra membros da junta militar, mas os detidos foram depois anistiados e postos em liberdade. A anistia seria depois revista pelo Tribunal Supremo, em 2005, a pedido do então presidente, Nestor Kirchner. Desde então os tribunais condenaram vários dos grandes nomes do regime de terror.

O julgamento da Esma, como ficou conhecido, durou dois anos. Por ali passaram 160 testemunhas, incluindo 79 sobreviventes que relataram as torturas que sofreram. No final, formaram-se 86 acusações por crimes contra a humanidade, como sequestros, torturas, assassinatos, além de roubo de bebês e ocultamente da identidades dessas crianças. A estimativa é que, na Esma, tenham nascido entre 150 e 250 crianças, retiradas suas mães, presas políticas posteriormente assassinadas.

Os militares da Esma também faziam negócios espúrios como venda de tudo o que encontrassem nas casas das pessoas sequestradas e dos imóveis do presos pela imobiliária criada pelo almirante Emilio Massera, que participou da primeira junta militar.

Nós, brasileiros, que não conseguimos sequer ainda acesso a documentos sobre a ditadura, olhamos envergonhados para a Argentina.

Com informações do jornal O Público, de Lisboa, e do blog de Ariel Palacios.